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João Eichbaum

Dignidade? O que é isso?

Cargo público não confere dignidade a quem quer que seja. A dignidade foi um atributo humano inventado, criado artificialmente para proporcionar a harmonia na convivência social. A criatura humana não atingiu a condição de "homo sapiens" despida completamente de sua animalidade. Acima de tudo, viceja nela, com mais força, o instinto de sobrevivência, que pode sobrebujar o outro, o instinto gregário, conforme as circunstâncias. Então, os líderes grupais tiveram que inventar e impor modos que favorecessem o convívio, sem desmerecer a individualidade. E aí apareceram os filósofos, que criaram a tal de dignidade humana, para encher a bolinha de cada um. Donde eles tiraram isso, em que criatura eles encontraram essa virtude poética, não se sabe.

Cargo público é uma construção abstrata, e aquilo que é abstrato não comporta adjetivos ou mesmo substantivos com sentido qualificativo, como "dignidade", por exemplo. Sem os humanos, os cargos públicos perdem a consistência, ficam vazios, e aí não servem para nada mais. São os humanos que os ocupam e os fazem funcionar.

Então, sendo a "dignidade" um substantivo criado com a finalidade de domar um pouco a animalidade humana, ela não cabe num cargo público. Quem exerce o cargo público é que deve ter dignidade. Mas nem todos os humanos cultivam tal virtude. E se alguns ou muitos ocupantes de cargos públicos não a têm, não será dos cargos que eles irão extraí-la.

O Estado é composto por cargos públicos. Ultimamente, muito se tem usado a expressão "instituições", para se referir aos cargos públicos, num sentido mais amplo, exigindo-se "respeito" por elas, as tais de "instituições", sob pena de punição, por "crimes antidemocráticos". O senhor Dias Tofolli, quando presidente do Supremo Tribunal Federal, até chegou a humanizá-las, criando uma coisa inédita: as "refeições institucionais", para justificar gastos milionários com acepipes e bebidas de alto preço.

Só merece respeito, porém, quem se faz respeitar. Sendo seres inanimados, as instituições, ou cargos públicos, não oferecem razão para serem alvos desse respeito. Então, só pode exigir respeito o ocupante de cargo público, seja ele qual for, que faça por merecer esse respeito. O eleito, o convidado, ou o apadrinhado para exercer funções públicas, tem, antes de tudo, a obrigação de cumprir rigorosamente, suas atribuições constitucionais. Sua dignidade será medida pela responsabilidade que demonstrar, nesse exercício. Poderá até ser um canalha na sua vida privada, mas se conseguir se desvencilhar dessa canalhice, quando estiver exercendo funções públicas, até poderá aparentar dignidade.

O que aconteceu em New York, na semana passada, deve ter mexido em cada partícula do valor pessoal que os ministros do Supremo Tribunal Federal imaginavam ter, produzindo-lhes frêmitos de vulnerabilidade. Tornaram-se personagens de cenas de baixo nível, senão como atores, pelo menos como figurantes. Apupados, xingados, achincalhados por pessoas que dispensaram a vênia de "vossa excelência", eles sentiram, na própria pele, essa dura realidade: o uso da toga não é bastante para enriquecer o ser humano com a virtude poética da dignidade, e não possui ímã que atraia respeito popular.

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