Rubens Montardo Junior
Ciro de Quadros, herói brasileiro
No momento em que ainda se discute no Brasil a eficiência ou não de vacinas e os discursos negacionistas ganham força, com destacada e nefasta atuação do mandatório-mor e alguns bajuladores, quero destacar a atuação edificante de um ilustre e "esquecido" brasileiro em favor da ciência, da vida e da saúde pública. Trata-se do médico epidemiologista Ciro Carlos Araújo de Quadros, nascido em Rio Pardo (RS) em 30 de janeiro de 1940, e que faleceu em Washington (EUA), aos 74 anos de idade, em 28 de maio de 2014. Ciro fez seus estudos primários na cidade natal. Ingressou na Escola Católica de Medicina da Santa Casa da Misericórdia de Porto Alegre, em 1961. Durante a graduação, teve contato com doenças causadas pela pobreza, o que despertou seu interesse pela epidemiologia.
Ao se formar, foi para o Rio de Janeiro sendo contratado pela Fundação SESP para trabalhar em Pernambuco e no Pará. Em 1967, em Altamira (PA), Ciro e três funcionários vacinaram os 5 mil habitantes da cidade, demonstrando seu ímpeto pelas imunizações, o que viria a ser reafirmado por toda sua vida. Em 1968, obteve o título de Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (RJ). Após, trabalhou na Campanha de Erradicação da Varíola no Paraná, onde utilizou, com êxito, a estratégia de "vigilância e bloqueio" da varíola e, em menos de um ano, o Paraná ficou livre da virose. Convém destacar que a estratégia oficial da Campanha era a vacinação em massa, muito mais trabalhosa e onerosa. Nesse período, o diretor mundial da campanha contra a varíola, Donald Henderson, visitou o Brasil e foi conhecer a experiência do Paraná.
Algum tempo depois, Ciro foi convidado por Donald Henderson para trabalhar na campanha da varíola na Etiópia (1970) e lá permaneceu por oito anos. Ao sair da Etiópia, foi para Genebra participar da organização mundial do Programa Ampliado de Imunizações (PAI) e depois trabalhou na OPAS, em Washington. Estruturou o PAI e foi o diretor da Divisão de Vacinas e Imunizações, com a responsabilidade de assessorar os países-membros da entidade na implementação de políticas e estratégias de vacinação.
Liderou os esforços para a erradicação da poliomielite do continente americano por meio de um comitê. Desligou-se da OPAS em 2002 e assumiu a direção do Programa Internacional de Vacinas do Instituto Sabin. Em 1986, Ciro idealizou, organizou e liderou a execução do Programa de Erradicação do Poliovírus Selvagem na América Latina e no Caribe. O último caso de pólio por vírus selvagem nas Américas foi diagnosticado no Peru, em 1991. Ainda, em 2002, comandou os esforços para interromper a transmissão do sarampo e da rubéola nas Américas. Após se aposentar da OPAS, em 2002, assumiu o cargo de vice-presidente executivo do Instituto de Vacinas Sabin, onde permaneceu até seu falecimento. Nesse Instituto desenvolveu atividades para aumentar a imunização contra pneumonia, diarreia por rotavírus e febre tifoide em países com baixas coberturas vacinais, objetivando reduzir o impacto causado por essas doenças. Participou na preparação do Plano de Ação Global de Vacinas, evitando milhões de mortes, através de vacinações em todas as comunidades.
Este Plano foi endossado por 194 países membros da Assembleia da OMS, em maio de 2012. Não há dúvida de que todos esses esforços gigantescos salvaram milhares de vidas e evitaram sofrimentos desnecessários e de sequelas em muitas pessoas. No campo das vacinações na América Latina, Ciro foi seguramente o vulto mais eminente depois de Oswaldo Cruz. No setor Saúde, foi o brasileiro mais premiado em todos os tempos pelo mundo afora, sendo um luminar excepcional da saúde pública, em âmbito global. Apenas cinco semanas antes de sua morte, em 25 de abril, ele recebeu da OPAS o título de "Herói da Saúde Pública das Américas", a maior premiação da organização, "em reconhecimento à sua extraordinária liderança na área". Ciro deixou viúva a senhora Suzana de Quadros; e, ainda, duas filhas, Julia e Cristina; e dois enteados, Marcelo e Álvaro Boggio; e uma grandiosa contribuição para humanidade.
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