Plenitude de defesa
Entidades apontam 'absurdo' em multa aplicada a advogado que abandonou júri
Juliano Verardi - TJRS imagem ilustrativa - fireção ilustrativa - No último dia 21, advogado Jean Severo abandonou plenário do júri em nome da plenitude de defesa.
Nesta semana o advogado criminalista Jean de Menezes Severo foi multado em 90 salários-mínimos por abandonar o plenário do júri de Alexandra Dougokenski, acusada de mantar o filho, Rafael, de 11 anos, em Planalto, no norte do estado. No último dia 21, cerca de 11 minutos após o início da sessão de julgamento, o advogado de Alexandra deixou o plenário, acompanhado dos demais profissionais que, sob seu comando, atuam na defesa da dona de casa.
A decisão de multá-lo, datada do último domingo, 3/4, é da juíza Marilene Parizotto Campagna - a mesma que presidia os trabalhos naquela segunda-feira - e atende a pedido do Ministério Público. A multa de R$ 108 mil tem o objetivo de cobrir os custos que a justiça de Planalto teve ao não realizar sessão.
Na ocasião, a equipe de Severo solicitou à magistrada a realização de uma perícia em um áudio atribuído a Rafael e extraído do telefone celular do pai dele, Rodrigo Winques. Pela data do arquivo, o áudio foi enviado na noite de 15 de maio de 2020. O problema é que, de acordo com o Ministério Público, o menino foi morto entre a noite do dia 14 de maio e a madrugada do dia 15. A perícia é considerada pela defesa como fundamental, visto que, em caso de determinar que a voz no áudio é mesmo de Rafael, está comprovada, no mínimo, uma grave falha na investigação, capaz de mudar o rumo do caso. Diante da negativa da juíza que presidia o julgamento, o advogado deixou o plenário em nome da plenitude de defesa.
Repúdio
Mesmo não se tratando de uma medida inédita, a aplicação da multa gerou grande repercussão no mundo jurídico. Entidades ligadas à área se manifestaram com notas de repúdio, como a Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas do Rio Grande do Sul (Abracrim/RS) e a Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do estado do Rio Grande do Sul (Acriergs).
Em documento conjunto as entidades dizem que "toda a advocacia criminal é atingida quando um advogado, postulando a legitimidade do exercício de um direito, sofre tamanha sanção por parte do Poder Judiciário". Destacou que "há situações em que, para garantir os direitos do cliente, o abandono do plenário é a única medida cabível, tal como parece ter ocorrido no caso concreto". "A dúvida sobre um elemento essencial - o dia da morte da vítima - é uma circunstância que poderia ocasionar inclusive futura declaração de nulidade do julgamento. O abandono do plenário, sob tal fundamento, apresenta uma relevante razão de ser e busca preservar a lisura e a validade do ato, não podendo ser reputada má-fé da defesa ou intenção deliberada em procrastinar o feito", segue a nota.
A Ordem dos Advogados do Brasil seccional Rio Grande do Sul (OAB/RS) também emitiu nota oficial em que manifesta contrariedade à multa, prevista no artigo 265 do Código de Processo Penal (CPP). "Exatamente nesse sentido foi aprovado, recentemente, no plenário do Senado da República o Projeto de Lei 4727/2020, que exclui a multa do referido artigo".
"A posição da OAB/RS é de que incumbe exclusivamente à própria entidade julgar eventual violação ética da advocacia no exercício do direito de defesa. É exatamente essa a posição do texto do PL 4727/2020, aprovado pelo plenário do Senado Federal", diz a entidade.
O que diz o advogado
Severo conversou com o Jornal CIDADE e disse que não se arrepende da atitude que tomou, "em nome da plenitude de defesa". Ele falou sobre o momento do júri. "Por lealdade chamei a juíza e disse que a perícia era necessária e que abandonaria o plenário. Eu disse: "tenho um pedido para lhe fazer. Se for aplicar a multa, aplique somente a mim. Olhando nos meus olhos ela disse "não vou aplicar multa, não acho certo", diz. "Um dia depois o MP pediu a multa, nos manifestamos contra e achei que ela manteria a palavra dela. No domingo, estou em um atendimento em Mossoró quando vi no site do TJ sobre a decisão", conta.
Severo explica que recorrerá da decisão da magistrada com base na preclusão. "Respeito demais a magistrada e isso não mudou. Mas tem um problema técnico terrível aí. O momento de aplicar a multa é no plenário, constando na ata. O pedido do Ministério Público também deve ser no plenário, constando na ata. Está preclusa a aplicação da multa e o pedido da multa por parte do MP", explica.
Outro ponto destacado por Severo é a inconstitucionalidade da medida. "A multa é inconstitucional, e o Senado já entendeu assim em projeto hoje tramitando na Câmara Federal. A Constituição Federal, em seu artigo 133, diz que não há hierarquia entre advogado, promotor e juiz. É exclusivamente da OAB a incumbência de julgar uma eventual violação de ética por parte do advogado", finaliza.
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