A matéria de autoria da vereadora Stella Luzardo passou por três modificações ao longo do ano
Clarisse Amaral
O plenário da Câmara Municipal se prepara para votar, nesta quinta-feira, 18/12, o Projeto de Lei que estabelece diretrizes para a análise de conteúdos culturais, musicais e audiovisuais nas escolas públicas municipais e em eventos realizados no âmbito do Município, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta, de autoria da vereadora Stella Luzardo (União Brasil), tramita na Casa desde maio e divide opiniões.
A matéria ganhou grande repercussão ainda em outubro, quando entrou na pauta de votação. Na ocasião, entidades e profissionais ligados ao ensino e à cultura organizaram uma manifestação em frente ao Legislativo, alegando preocupação com possíveis efeitos de censura e restrição às práticas pedagógicas adotadas nas escolas municipais. O ato reuniu professores, estudantes, artistas e ativistas culturais, que pediram maior diálogo com o Parlamento antes de qualquer deliberação.
Como resultado, a votação foi adiada e a Câmara abriu um novo período de discussão, inclusive com a realização de uma audiência pública sobre o tema. O encontro lotou o plenário e contou com a presença de professores, artistas, representantes de entidades culturais e membros da comunidade escolar, que levantaram preocupações, apresentaram sugestões e defenderam alterações no texto original.
Durante a audiência, a proposta foi amplamente debatida sob diferentes perspectivas. Enquanto parte dos presentes reforçou a importância de proteger crianças e adolescentes de conteúdos considerados inadequados, outra parcela destacou que as escolas já possuem mecanismos pedagógicos e legais que orientam a seleção de materiais. O diálogo, no entanto, aproximou posições e resultou em um consenso considerado razoável pelos participantes.
Com base nas sugestões apresentadas, o projeto recebeu emendas antes de seguir sua tramitação. Uma das principais alterações retirou do texto o trecho que estendia a obrigatoriedade de análise prévia também para eventos culturais, recreativos, educacionais e artísticos promovidos ou autorizados pelo Poder Público Municipal, inclusive aqueles apoiados logística ou financeiramente pela administração. Com isso, a nova redação passa a focar exclusivamente no conteúdo utilizado pelas escolas da rede pública.
O PL segue em análise na Comissão de Constituição, Justiça e Redação, e a expectativa é que, agora com redação modificada e maior aproximação entre os setores envolvidos, a votação ocorra com ambiente mais favorável e menor resistência social. Ainda assim, o tema permanece sensível, por tocar diretamente em questões ligadas à autonomia pedagógica, liberdade de expressão e diretrizes educacionais.
Caso aprovado, o projeto estabelece que caberá às equipes pedagógicas e direções das instituições selecionar e avaliar previamente os materiais utilizados em sala de aula ou em atividades escolares, observando critérios relacionados à faixa etária, respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente e coerência com princípios educacionais.
O Legislativo acredita que o processo de escuta pública e a construção coletiva contribuíram para aprimorar o texto e diminuir as tensões geradas em torno da proposta. Agora, a decisão final caberá ao plenário. A sessão promete novo debate e atenção redobrada da comunidade educacional e cultural uruguaianense.
Lei “Anti-Oruam”
O PL municipal é inspirado na Lei Estadual nº 19.233, sancionada pelo governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), em 22 de janeiro de 2025. A legislação proíbe a reprodução de músicas, videoclipes e coreografias que façam apologia ao crime, ao uso de drogas ou que contenham conteúdos de cunho sexual e erótico nas escolas públicas e privadas do estado — excetuando-se instituições de ensino superior.
No Brasil, diversas propostas semelhantes estão em tramitação. O município de Campo Grande (MS) discute projeto que veta o uso de recursos públicos para contratar artistas que façam apologia ao crime organizado, iniciativa apresentada pelo vereador André Salineiro (PL). No Mato Grosso do Sul, o deputado estadual Coronel David (PL) também protocolou proposição com teor semelhante na Assembleia Legislativa.
Essas iniciativas ficaram conhecidas como “Lei Anti-Oruam”, em referência ao rapper Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, conhecido como Oruam.
Ponto de controvérsia
Apesar da proposta ter como objetivo declarado proteger estudantes, especialistas e entidades da área cultural apontam risco de censura e de interpretação subjetiva do que constitui “conteúdo impróprio”. A ausência de critérios técnicos amplos e o envolvimento de valores morais podem, segundo críticos, abrir brechas para decisões arbitrárias.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já suspendeu normas semelhantes pelo país, ao considerar que iniciativas que controlam conteúdos artísticos e curriculares podem ferir princípios constitucionais ligados à liberdade de expressão, pluralidade cultural e autonomia pedagógica.


