Texto de: Helena Biasi
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou que mulheres vítimas de violência doméstica terão garantida a manutenção do vínculo empregatício por até seis meses, além do direito ao recebimento de benefício previdenciário ou assistencial durante o período de afastamento do trabalho. A decisão, publicada nesta terça-feira, 16/12, valida dispositivos da Lei Maria da Penha e preenche uma lacuna histórica sobre quem seria responsável pelo pagamento nesse período.
Por unanimidade, os ministros reconheceram que a mulher em situação de violência doméstica tem direito à proteção social, assegurando condições mínimas para sua recuperação física, emocional e profissional, sem que isso resulte em perda de renda ou emprego.
De acordo com a decisão do STF, mulheres seguradas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), como empregadas formais, contribuintes individuais, facultativas e seguradas especiais, terão os primeiros 15 dias de afastamento pagos pelo empregador. Após esse período, o benefício passa a ser de responsabilidade do INSS.
Já as mulheres que contribuem para o INSS, mas não possuem vínculo empregatício, terão o benefício pago integralmente pelo órgão. Para aquelas que não são seguradas, o STF definiu que será concedido o Benefício de Prestação Continuada (BPC), desde que seja comprovada a ausência de outros meios de subsistência.
A solicitação do benefício deverá ser feita pelo juiz criminal responsável pela análise das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. Além disso, a Corte definiu que a Justiça Federal será competente para julgar ações regressivas, permitindo que o Estado cobre dos agressores os valores gastos pelo INSS com o pagamento desses benefícios.
Impacto social e local
No âmbito local, o município, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Sedes), oferece desde 2020 o serviço do Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram). O espaço atua no acolhimento e atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
O Cram conta com uma equipe multiprofissional formada por coordenação, assistente social, psicóloga, advogada e estagiária, oferecendo atendimento social e psicológico, orientação e encaminhamento jurídico, além de acompanhamento em audiências judiciais relacionadas à Lei Maria da Penha. O serviço também tem papel fundamental na inserção das mulheres na rede de atendimento e proteção.
Para a coordenadora do Centro de Referência de Atendimento à Mulher (Cram) de Uruguaiana, Juliana Tietböhl, a decisão do STF dá efetividade a um direito que já existia, mas que não funcionava na prática. “A Lei Maria da Penha já previa o afastamento da mulher do trabalho como medida protetiva, mas não dizia quem arcaria com esse período. Existia uma lacuna. O STF agora preenche essa falha e garante que o direito saia do papel”, destaca.
Segundo Juliana, muitas mulheres enfrentam, além das agressões físicas e psicológicas, o estigma de que a violência sofrida não justificaria o afastamento profissional. “Essa decisão reconhece que a violência doméstica impacta diretamente a capacidade da mulher de trabalhar e assegura uma proteção social fundamental”, afirma.
Apesar da conquista, a coordenadora alerta que a efetividade da medida dependerá da sua aplicação prática. “Muitas mulheres podem não acessar esse benefício por desconhecimento ou dificuldade no processo. Por isso, é essencial fortalecer a rede de enfrentamento à violência doméstica e ampliar a orientação sobre esses direitos”, ressalta.
Ela também destaca que a decisão contribui para o combate à revitimização. “Durante anos, mulheres foram obrigadas a manter suas rotinas de trabalho mesmo com a saúde comprometida. Agora, o Estado reconhece a necessidade de um tempo protegido para a recuperação.”
Tietböhl ressalta ainda que a decisão ocorre em um contexto alarmante, no ano em que o Brasil ocupou o quinto lugar mundial em mortes violentas de mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Para especialistas e profissionais da rede de proteção, a medida representa um avanço histórico. “Essa decisão do STF é uma vitória simbólica e prática. No Cram, seguimos comprometidas em garantir que as políticas públicas cheguem de forma eficaz a todas as mulheres que precisam”, conclui.

