João Eichbaum
Harmonia entre cochichos
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A foto publicada no Estadão é o retrato do descalabro institucional em que foi mergulhado o país. Barroso e Lula: os ombros de um e de outro se roçando, as respectivas cabeças separadas por milímetros, ambos com as mãos na frente da boca, para fugirem à leitura labial.
Nem haveria necessidade dessa última providência, porque o povo não fala o idioma que os dois dominam perfeitamente: o enrolês. Mas que segredos trocavam essas figuras? O que é que eles falavam, que o povo não pode saber?
Ah, sim, nenhum dos dois domina o latim. E por não conhecerem o idioma de Cícero, ignoram o sentido da palavra “república”. Eles não sabem que o vocábulo república é formado pela junção do substantivo latino “re” ao adjetivo “publica”, que significa “coisa pública”. O artigo 37 da Constituição ordena o respeito à coisa pública com esse substantivo: publicidade.
Em magnífico artigo publicado no Estadão, o não menos magnífico J. R. Guzzo encara jocosamente a patacoada governamental: “o Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Roberto Barroso, convidou o presidente da República e mais um lote de gatos gordos do seu governo para um jantar entre eles. Nenhum membro do Congresso Nacional foi convidado. Você então – nem pensar - seu papel se limita, como sempre, a pagar a conta”.
Então ficamos sabendo apenas que Judiciário e Executivo se reuniram numa esplêndida comezaina, a ser paga pelo povo, mas sem o povo. Sem o povo propriamente dito e sem o povo representado por deputados e senadores. Um regabofes nada democrático, um acinte à indigente realidade social brasileira.
Ao estabelecer, no artigo 1º, os fundamentos do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, a Constituição é claríssima, no parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...”
Sem a participação do povo diretamente, ou através de seus representantes, qualquer reunião de figuras políticas não passará de conversa fiada, cochichos de compadrio, quando não uma fusão combustível dos apetites pelo poder. Mas o povo não paga impostos para patrocinar conversas fiadas. Pior ainda, quando figuras públicas, participantes de convescotes desse tipo, escondem suas palavras com a mão na frente da boca. E mais, sendo independentes por ordem constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário não têm autorização legal para tratar assuntos de governo em conjunto. No verdadeiro Estado Democrático de Direito, cada Poder deve exercer suas funções de conformidade com as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição.
A Constituição tem duas finalidades: estruturar juridicamente o Estado e instituir, perante esse, os direitos dos cidadãos. Sua natureza jurídica é, portanto, de Direito Público, devendo seguir a ordem do axioma latino “jus publicum privatorum pactis mutari non quit”. O Direito Público não pode ser mudado por pactos privados, nem por conversas fiadas.
O Lula, que não sabe bulhufas de Direito e pensa que só o gogó resolve tudo, vá lá. Mas, quem se alcandora nos galhos mais altos do Judiciário deveria conhecer um mínimo de hermenêutica constitucional.
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