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João Eichbaum
Palavras fora de lugar
“A mentira espalhada pelo poderoso ecossistema digital das plataformas é um desaforo tirânico contra a integridade das democracias. É um instrumento de covardes e egoístas. Se não rompermos o cativeiro digital, chegará o dia em que as próprias mentiras nos matarão”.
Não. Não é o que vocês estão pensando. Não se trata de um poema de metáforas mórbidas, obra de um poeta sorumbático, abatido por vertigem que o deixa de mal com o mundo. Não são exortações de algum tipo que se alimenta de gafanhotos e mel silvestre, um novo João Batista, anunciando o fim dos tempos. Nem são expressões de terror extraídas de alguma obra de reflexões apocalípticas, da lavra de algum profeta. Não. Nada disso.
Por mais cândida que seja a interpretação do leitor, jamais lhe ocorrerá tenham sido tais palavras caídas da boca de uma pessoa de peso, colocada em posição preponderante nos píncaros do Judiciário brasileiro.
Pois quem excluiu tal hipótese, se enganou redondamente. Essa diatribe partiu de ninguém menos do que de uma senhora chamada Cármen Lúcia Antunes Rocha. Dona Cármen, professora de Direito Constitucional, foi colocada no Supremo Tribunal Federal, por obra e graça do torneiro mecânico por profissão e político por eleição Luiz Inácio Lula da Silva. Na semana passada, a referida madame foi empossada, pela segunda vez, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O excerto que encabeça o presente texto, embora nada tenha a ver com eleições, faz parte do seu discurso naquela solenidade. Mas, não se pode ignorar o teor condenatório, encharcado de exaltação, que o estigmatiza como uma sentença antecipada: “desaforo tirânico... instrumento de covardes e egoístas”. Trata-se de um juízo de valor exarado em instância desapropriada e sem a temperança que, mesmo fora da jurisdição, é exigida por ordem da credibilidade do Poder Judiciário.
O alvo dessa contundência, ou seja, as rés, fora do processo, do tempo e das circunstâncias que uma solenidade exige, são as chamadas plataformas digitais. O tema que diz respeito a tais empresas está sujeito a disputas judiciais. Dona Cármen Lúcia já antecipou o seu voto, salpicando-o com adjetivos que ninguém gostaria de ouvir: “covardes, egoístas”...
Mas, além do teor do discurso, o que surpreende a qualquer leitor com conhecimentos mínimos de Teoria do Estado, é a relação da “mentira” com a “integridade das democracias”.
A democracia é um sistema de governo. Ela não tem outra natureza senão aquela que define sua essência: a participação do povo, através do voto. E o voto, segundo a Constituição Federal, que a dona Cármen Lúcia, como professora de Direito Constitucional supostamente conhece, é “direto e secreto, com valor igual para todos” (art. 14 da CF). O povo pode votar como quiser, resguardado pela liberdade de consciência, assegurada indistintamente, a mentirosos e autênticos. Onde dona Cármen foi cavoucar a ideia de que a democracia depende só dos puros de coração ou dotados de outras refulgentes virtudes exaltadas no Sermão da montanha, não se sabe. Talvez a Faculdade Católica, onde ela leciona, tenha catecismo constitucional próprio.
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