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Lar São Vicente de Paulo renasce das cinzas
Gabriela Barcellos imagem ilustrativa - fireção ilustrativa -
O Lar da velhice São Vicente de Paulo (nome que o atual administrador voluntário, Delmar Kaufmann, pretende trocar para somente Lar São Vicente de Paulo) é hoje uma instituição modelo no atendimento que presta àqueles idosos que lá estão acolhidos.
Hoje a instituição abriga 37 idosos e poderá abrigar 40 após o fim das reformas. Há um na faixa dos 60 anos, portador de enfermidade e que a família não tinha como tratar em casa, e os demais têm entre 75 e 101 anos.
Mas nem sempre foi assim. Há muito pouco tempo “chovia como na rua”, segundo Delmar. A instalação elétrica ainda era do tempo em que a fiação era forrada com tecido e uma parte pequena do telhado chegou a desabar sobre um dos quartos, “felizmente vazio”.
As dificuldades continuam existindo, especialmente as financeiras, já que a casa ainda não atingiu o equilíbrio financeiro, mas o cenário já é completamente diferente, principalmente para quem vive lá.
Impedindo o fechamento
Foi em 2017 que essa história começou a mudar, não sem antes piorar um pouco. Naquele ano houve uma interdição judicial, tamanhos os problemas de infraestrutura e administração enfrentados pela instituição. Embora o asilo não pertença à Igreja Católica, mas sim a uma de suas ordens de leigos, os Vicentinos, o bispo diocesano da época, dom José Mário Scalon Angonese, foi chamado pelo juiz que decretou a intervenção para apresentar uma solução. Ele então nomeou dois administradores, um deles vicentino, como manda o estatuto da ordem, e um de fora. Logo, apareceram as diferenças entre os dois, administrativas e éticas, e o administrador vicentino se retirou. Delmar evita entrar em detalhes: “não me compete julgar ninguém, essas contas serão prestadas em outro plano”.
Com a piora da situação, em 2019 dom José Mário chamou Delmar, que traz na bagagem a experiencia de ter sido presidente de clubes de serviço, vereador por dois mandatos, secretário de Educação em ter gestões, e vice-prefeito. O objetivo era discutir uma saída para evitar o fechamento da instituição no município e consequentemente a transferência dos idosos para outras cidades.
Segundo o administrador, os vicentinos apresentaram duas opções ao bispo: fecharem a instituição e levarem os idosos cujas famílias não pudessem recebê-los para outra instituição vicentina fora de Uruguaiana ou, numa segunda hipótese, entregar a instituição e o seu patrimônio a um novo ente jurídico da cidade, que assumiria a administração e o cuidado aos idosos. Foi quando surgiu a ideia de criar uma associação, em conjunto com a comunidade, para suceder à ordem católica.
Kaufmann e Dom José Mário pediram aos vicentinos um prazo de seis meses para fundar a associação, mas tão logo o trabalho teve início, foram descobertas dívidas e, com isso, a impossibilidade de, pois o patrimônio todo estava penhorado em garantia desses débitos e não poderia ser transferido.
Dívidas
Com o patrimônio indisponível, contas bloqueadas e CNPJ suspenso, o Kaufmann e o bispo, inicialmente fizeram um acordo com a ordem vicentina: divisão das dívidas em meio-a-meio: o asilo assumiria os débitos trabalhistas e a ordem os de INSS e FGTS, que remontavam há 20 anos sem pagamento – ambas em torno de R$ 200 mil cada. Sabendo que o asilo, que sequer faturava para as suas despesas fixas, não teria de onde conseguir sozinho a sua parte, Kaufmann decidiu passar o chapéu na prefeitura. “O prefeito Ronnie nos recebeu, disse que reconhecia a importância do trabalho, mas que, infelizmente, a prefeitura não dispunha de recursos. Naquele mesmo mês, vi a notícia de que a Câmara devolveria à prefeitura o valor de R$,2,6 milhões que sobrara de seu orçamento. Então decidimos tentar de novo”, conta Delmar. “Fomos à Câmara, pedimos para reunir todos os vereadores que estavam na casa – havia sete – de quaisquer partidos, e explicamos a situação. Houve unanimidade na concordância”, relembra. Quase um ano depois dessa reunião o valor chegou às mãos do asilo, mas não poderia ser usado para pagar as dívidas trabalhistas. Em nova negociação com a ordem, esta assumiu o passivo da Justiça do Trabalho e o valor foi usado para a quase quitação das dívidas de INSS e FGTS. “Os R$200 mil foram totalmente entregues como entrada, mas a dívida já estava em 250. Parcelamos os R$ 50 mil restantes e estamos pagando as parcelas até hoje, mas reativamos o CNPJ e obtivemos as certidões negativas necessárias para nos habilitarmos nos projetos e processos que as exigem”, conta.
Entretanto, as dívidas trabalhistas persistiam, o patrimônio seguia penhorado e as contas bloqueadas, haja vista os vicentinos terem condicionado o seu pagamento à venda de um imóvel que estava travada. Em determinado momento, Delmar e o Conselho presidido pelo bispo, que então oficialmente administrava o asilo, decidiram vender uma parte do imóvel para efetuar a quitação do passivo trabalhista e liberar as contas e o patrimônio. Com o negócio alinhavado e prestes a ser concluído – apenas dois dias antes da assinatura – os vicentinos conseguiram vender o imóvel que pretendiam e então, quitaram a dívida.
Reforma
Paralelamente às tentativas de quitar as dívidas da instituição, Kaufmann conta, através da Obras de Maria, outra entidade religiosa, submeteu ao Vaticano um projeto que contemplava reformas e melhorias, e no qual parte dos valores também seriam usados para as dívidas. “Não contávamos com esse valor, a gente sabe que os processos são demorados em Roma e sequer sabíamos se seria aprovado. Depois de todas as dívidas quitadas, o projeto foi aprovado e o valor repassado integralmente ao asilo pela diocese”, conta. “Reformulamos o projeto”, diz.
Além do bem-estar dos idosos, o projeto reformulado ganhou outro foco: ampliar a receita da instituição, garantindo que permanecesse de portas abertas. “Construímos e equipamos o salão de festas, para aumentar o faturamento mensal com o seu aluguel e fazer frente às despesas fixas”, conta. Esta, aliás, é a meta principal do administrador. “Despesas fixas precisam ter cobertura fixa. Não podemos depender de doações para pagar a folha dos funcionários, por exemplo”, argumenta.
Doações
Delmar, modestamente, atribui mais à intervenção divina o encontro das soluções do que ao próprio trabalho. Diz que ninguem faz nada sozinho e não acredita em coincidências. Ele cita a ajuda de um produtor rural, que doa uma tonelada de arroz por ano; de clubes de serviço, que frequentemente enviam cestas básicas; de empresas que cooperam gratuitamente com serviços, como desinsetização e limpezas ou exames laboratoriais da água do poço – usada na lavanderia e banheiros; ou da doação de equipamentos, como as 40 placas de energia fotovoltaica que recebeu de uma empresa de alimentos. Além disso, pessoas físicas, anônimas ou conhecidas, eventualmente também fazem doações.
“Uma chuva derrubou o telhado de um dos quartos e outros oito corriam o mesmo risco. Não tínhamos como conseguir recursos para custear uma reforma. No dia seguinte, um senhor veio aqui – nunca tinha visto ele na minha vida, não sabia quem era – e perguntou qual era nossa principal demanda. Mostrei a ela o que ocorrera. Ele ligou para uma loja de materiais de construção e autorizou que buscássemos lá o madeiramento e a cobertura que precisávamos. No dia seguinte, uma senhora – que também não conhecia, e que nunca mais voltei a ver – esteve aqui e ofereceu a mão de obra. Veio uma equipe e fez a obra”, conta emocionado. “Isso não é coincidência”
A estrutura
Depois de estar ruindo, o asilo recebeu muitas melhorias. Pelo menos 1500 m² de telhados foram trocados, com a instalação de cobertura termoacústica. Pátios foram calçados e cobertos, criando áreas de convivência internas, com instalação de drenagem. O “salão das vós”, dormitório coletivo feminino, está em reformas, enquanto elas estão acomodadas na capela (que também já tem a sua reforma agendada). Os refeitórios, antes separados entre masculino e feminino, foram unificados. Boas práticas sanitárias foram adotadas, como o fechamento da cozinha, por onde passava um corredor interno, entre fogão e geladeira. A lavanderia foi totalmente modernizada, com a troca de cinco máquinas de lavar e a compra de uma secadora industrial. As roupas, antes amontoadas em pilhas e em sacos, hoje repousam dobradas em prateleiras e separadas por tamanhos.
Foram reformadas salas e transformadas em consultório médico e sala de fisioterapia, que não existiam. O piso foi todo trocado, tendo sido eliminados todos os degraus e mudanças de nível. Quartos escuros, sem janela ou ventilação, foram transformados em depósitos.
Equipe
Delmar Kaufmann conta que quando assumiu a instituição havia uma única pessoa responsável por toda a limpeza da área e pela lavagem das roupas. Hoje, cinco anos depois, são 20 funcionários. Há uma equipe para limpeza, uma pessoa somente para cuidar da lavanderia, além de cozinheiras, cuidadoras, técnicas de enfermagem, enfermeira, assistente social e assistente administrativo. Há nutricionista, médico e fisioterapeuta, alguns, eventualmente, trabalhando voluntariamente. A Unipampa, através de convênios, também participa.
A folha de pagamento dos funcionários contratados beira os R$ 40 mil. Delmar diz que esse é o grande desafio. “Pagar o que manda a lei, para não gerar novo passivo trabalhista, e ao mesmo tempo tentar atingir um faturamento que cubra os custos fixos.” Ele conta que a segunda parcela do 13º foi paga com uma doação de recurso obtidos através de um leilão beneficente feito por uma entidade da cidade: “Faltava R$12 mil para completar, e eles apareceram com R$12 mil exatamente, arrecadado no leilão de uma árvore de natal. Isso não pode ser coincidência”, diz Delmar.
Salão de festas
O salão de festas foi construído para dar suporte às despesas. Inaugurado em 2024, rendeu até o fim do ano R$ 41 mil à instituição. Neste final de semana, está alugado para um evento privado.
Com capacidade total para 240 pessoas sentadas, o local conta com climatização (oito splits de 24.000 BTUs), sistema de sonorização e equipamento completo de cozinha e serviço, como pratos, copos e talheres. Com experiência em clubes de serviço, o administrador ainda determinou a construção de uma área gourmet, também para incrementar o faturamento. Essa área, menor, conta com churrasqueira, forno fechado e forno para pizza e pão, além de fogão industrial. “Aqui fizemos para turmas menores, com ventilação natural”, explica. As áreas são independente e podem ser alugadas de forma separadas. Com isolamento termoacústico, tanto o salão quanto a área gourmet não interferem na rotina dos idosos.
Como ajudar
A instituição ainda precisa de apoio da comunidade. “Há uma série de exigências legais no dia a dia, para a proteção dos ‘vozinhos’, que impactam as despesas. Não temos um prazo fixo para finalizar todas essas benfeitorias necessárias, mas a cada dia que passa ou fiscalização do Ministério Público, temos melhorias para mostrar”, explica Kaufmann
Perguntado sobre o que mais precisa, ele diz que qualquer doação é bem-vinda, mas material de limpeza e leite são itens muito consumidos, além de doações diretamente na conta do asilo na cooperativa de crédito Sicredi Essência, para as despesas com pessoal e convênios com supermercados (nesta reportagem há o QR Code do pix do asilo, para doações instantâneas de qualquer valor).
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