BRIANE MACHADO
Nossos bosques têm mais vida?
Uma lenda indígena diz que, há muito tempo, os homens não tinham conhecimento de como fazer fogo e só poderiam utilizá-lo quando um raio incendiava a mata. Foi assim que o pajé daquela tribo escolheu o índio Japu, o mais corajoso dos guerreiros, e o transformou em um pássaro para que fosse buscar o fogo e trazê-lo para a Terra. Ele venceu a batalha contra o raio e trouxe o fogo em seu bico. Foi assim que o pajé deu o poder do fogo para pedras e gravetos e ensinou para toda a aldeia que para produzir fogo deveriam esfrega-los. Diante de toda felicidade e comoção por terem a possibilidade de produção de fogo, Japu voltou a forma humana, entretanto, seu rosto estava queimado. Por não suportar viver com aquela aparência, implorou para que o pajé o transformasse em pássaro novamente. Então, o pássaro de plumagem laranja com bico vermelho surgiu: Japuaçu.
A história nos diz que nossos ancestrais humanos tiveram o controle do fogo e de sua criação muito cedo.
Porém, ao longo do tempo desenvolvemos a capacidade de evitarmos que aquela chama de calor extremo atinja proporções que não podemos conter.
Temos consciência de que ao riscarmos em palito de fósforo e esperarmos que ele queime totalmente, o calor produzido atingirá os dedos e, por si só, sentir-se-á dor, surgirão bolhas e aquela pequena queimadura surtirá incômodo por alguns dias.
O fogo destrói uma casa em minutos, as lembranças de uma vida são derretidas, viram cinzas, se perde documentos e as conquistas da jornada no tempo.
Aquela família que muito lutou para ter o seu lar, recomeçará do zero, muitas vezes, contando com o auxílio de muita gente para que a vida possa recomeçar.
Mas como a população de um país conseguirá revitalizar 15% de um bioma?
De janeiro a setembro de 2020, 2,3milhões de hectares foi consumido pelo fogo, o que equivale ao território de 15 cidades de São Paulo.
Árvores, animais, vegetação, rios estão sendo destruídos e poluídos, em sua maioria, pela ação degradante e desenfreada do homem.
Animais não sabem como sair da mata, o pantanal que antes era rodeado por um conglomerado verde, hoje é consumido pelo calor amarelo, vermelho e laranja das chamas que se alastram, que não são controladas.
Indígenas estão passando por mais uma terrível experiência de descaso com a Terra. Antes, já não havia assistência para que a Covid-19 fosse tratada nas aldeias. Hoje, além disso, há a necessidade de fugir da dor extrema que se aproxima.
Pastos secos, animais mortos e outros queimados, pedidos de socorro, estradas fechadas, falta de alimentos, natureza ceifada.
Instituições voluntárias, brigadistas, socorristas correndo contra o tempo para salvar animais, conter as chamas, retirar pessoas de áreas afetadas. Mas será mesmo que só eles têm esse dever voluntário? Dói não poder fazer nada, dói não ter a solução imediata do problema, talvez, a dor não seja comparada àquela de quem está atravessando o fogo. Será que é a mesma dor de quem está assistindo o noticiário em uma sala com ar condicionado, vestindo roupas limpas, bebendo água gelada, com alimentos a disposição?
Estamos em um beco sem saída: de um lado, uma pandemia que assola vidas e projeta uma crise econômica sem precedentes; de outro, o fogo que não tem controle.
Contamos uns com os outros e só. Hoje, a sobrevivência é autônoma.
"De um povo heroico o brado retumbante".
"Nossos bosques têm mais vida"?
Verás que um filho teu não foge à luta, Terra adorada!
É uma pena que alguns fogem.
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