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Rodrigo Vieira inaugura escritório de advocacia em Uruguaiana

Gabriela Barcellos/JC imagem ilustrativa - fireção ilustrativa -

Após quase 16 anos como promotor de Justiça - cinco deles em Uruguaina - o quaraiense e cidadão uruguaianense Rodrigo de Oliveira Vieira retornou à cidade desta vez "do outro lado do balcão", e inaugurou ontem, 1/8, escritório de advocacia no centro. Formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria, em 1995, Vieira advogou durante 1996, afastou-se da advocacia quando foi vice-prefeito de Quaraí e depois dedicou-se à preparação para o cargo de promotor de Justiça, o qual deixou em março passado, por escolha. O Jornal CIDADE conversou com o Advogado sobre seu retorno à Uruguaiana e à advocacia.


Em sua carreira no Ministério Público, sempre atuou na área criminal?

Sempre atuando na criminal e em conjunto com outras áreas. Em minha primeira comarca de lotação, Giruá, era "clínico geral", atuava no crime e em outras matérias também. E depois, nas outras comarcas em que atuei: seis anos em Alegrete, cinco em Uruguaiana, quase dois em Caxias, dois em Santa Maria, acumulando com substituições em outras cidades, acabei atuando também outras áreas de atuação do Ministério Público.


Não é comum vermos promotores de Justiça com uma carreira consolidada deixando o cargo por escolha. O que motivou essa decisão?

Foi uma decisão difícil, a mais dura e difícil de minha vida. Fiquei dois anos pensando nisso, amadurecendo, refletindo os riscos e as consequências. Eu comparo com dar um salto mortal sem ter rede embaixo. Não tem garantia, somente certeza na firmeza do braço, de que vou dar o salto e conseguir apanhar a corda, o anteparo no outro lado.

Comecei a sentir uma perda de identidade com a função do Ministério Público, a não me identificar mais com a função. E isso não surge do dia para a noite, vai surgindo aos poucos e foi colocando aquela dúvida em mim. Lembro de um dia - verão de 2016 -, morava em Santa Maria, cheguei em casa, coloquei uma bermuda, camiseta e tênis e fui caminhar. Percorri cerca de seis ou sete quilômetros, estava quase na saída para São Pedro do Sul e com fone de ouvido ligado em uma rádio no celular, e estava dando uma notícia de que no STF em Brasília estava discutindo sobre a ilicitude da prova ao extrair sangue de um sujeito que estava inconsciente e era acusado de ter dado causa a um acidente automobilístico. Retiraram sangue para fim terapêutico e a polícia apreendeu parte desse sangue, mandou para a perícia e comprovou a presença de álcool no sangue. A discussão girava em torno de se valia ou não como prova. Na hora pensei "é obvio que não pode porque ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio". E a pergunta seguinte me fez mais pensativo: dos quase 600 promotores no Estado, quantos concordariam que ilícita essa prova?. Me veio a sensação de que a maioria diria "pouco importa, o que importa é comprovar que o sujeito estava sob efeito de álcool", e isso me deixou desconfortável.

Mas diria que meu "Canto do Cisne" foi em 14 de dezembro de 2016. Fui designado pela Corregedoria de Ministério Público para atuar em um júri na cidade de Espumoso, próximo de Passo Fundo. Até estranhei, estava em Santa Maria e havia várias outras cidades mais próximas de Espumoso, mas recebi como uma homenagem porque era um processo difícil, complexo, volumoso e rumoroso. O julgamento começou às 8h30min do dia 14 e terminou por volta de 3h do dia 15, dia seguinte, com o réu condenado. Metade da assistência no plenário do Tribunal do Júri do Fórum de Espumoso era a família da vítima, as pessoas acenando, querendo me abraçar. E a outra metade era preenchida apenas e solitariamente pela mulher e pela filha do réu, aquele olhar de tristeza, aquele desalento. E eu senti uma sensação que até então para mim era inédita. Fiquei com uma sensação muito ruim. Eu não queria ter atuado naquele júri, não queria ter acusado. E decidi que não queria acusar mais ninguém. Não nasci para isso. Por 16 anos consegui, mas agora não consigo mais. Por 16 anos as pessoas ficam casadas e depois separaram, por 16 anos as pessoas moram numa casa e depois se mudam. Não consegui mais, estava me fazendo mal. E o pior foi a sensação de que se eu tivesse defendido aquele homem o teria absolvido.

E teve o trabalho também de convencer a família. As ponderações e preocupações, que são naturais. Tu tens um trabalho que te oferece uma das melhores remunerações do serviço público brasileiro, com garantia de aposentadoria vitalícia. Faça chuva ou sol, frio ou calor, no antepenúltimo dia útil do mês está lá na conta R$ 27 mil bruto e mais R$ 4.377,00 de auxílio moradia, e aí tu vais jogar isso aí para o alto e vai advogar? É, vou. Acho que de fome não morro.


Qual sua aposta?

Tenho um razoável produto a oferecer: minha experiência, minha bagagem, meu jeito de ser e de atuar. O que era como promotor, vai ser como advogado. Esse é meu jeito. Não era assim porque era promotor, mas porque sou assim. Sou incisivo e se visto a camiseta vou lutar até o último minuto em defesa do meu time e assim vai ser na defesa dos interesses das pessoas que a mim confiarem seus interesses. Essa é minha aposta. Posso até não ganhar, mas necessidade não vou passar. Já tenho uma meia dúzia de clientes.

Uma das primeiras pessoas que me procurou, que até então eu não conhecia, foi a defesa de um deputado estadual, já absolvido. Estarei nesta quinta-feira em Passo Fundo, junto com ele, deputado Juliano Roso, para uma entrevista em que vamos expor o caso. Foi absolvido, foi feita a Justiça.

Quando dizem "vai deixar de ser promotor de Justiça". Não sou um sujeito religioso, mas gosto da Bíblia e, na Bíblia diz que há muitas moradas na casa do Senhor, há muitas formas de fazer justiça, não somente sento promotor. Também sendo promotor, mas também sendo advogado, também sendo delegado, também sendo juiz, também sendo defensor público, também exercendo outras funções.

Voltei a ser aquilo para o que fui vocacionado. Eu sempre dizia quando cursava a faculdade de Direito em Santa Maria: eu estudo para defender a liberdade. Liberdade em seu sentido mais amplo. Sou filho de advogado, sobrinho de advogado. Com 12 anos eu era secretário do meu tio. Então voltei a ser aquilo para o que estudei e me formei. Sem nenhum demérito do meu passado como promotor de Justiça.


O senhor deixou o Ministério Público com a sensação de missão cumprida?

Sim. Fui lá, me apresentei ao chefe da instituição, meu amigo pessoal, procurador-geral de Justiça Fabiano Dallazen, já tinha anunciado a ele que vinha amadurecendo essa decisão. Entreguei minha carta de exoneração e o que ouvi dele me deixou comovido e com a certeza de que saí pela mesma porta que entrei: de cabeça erguida, com as mãos limpas. Cumpri meu dever, fiz tudo que tinha para fazer. Não tenho nada do que me envergonhar nem do que me arrepender. Talvez algumas coisas, com o amadurecimento que a vida oferece, tivesse feito de forma diferente, talvez provocando menos ruído. Mas nada me envergonha e isso é o importante.


E por que escolheu Uruguaiana?

Após minha exoneração, surgiu a possibilidade de fazer uma sociedade com alguns colegas advogados na serra, em Caxias do Sul. São profissionais que eu havia conhecido durante minha estada lá. Acabamos trabalhando por uns dois meses nessa lida de estabelecer efetivamente uma sociedade e acabou não evoluindo. E algumas circunstâncias da conjuntura familiar, problemas de saúde em família, fizeram com que eu sentisse a necessidade de estar mais próximo, principalmente de minha mãe. Escolhi Uruguaiana, primeiramente porque sou uruguaianense adotivo, sou cidadão de Uruguaiana, gosto daqui, sempre fui muito bem recebido aqui e é a cidade mais importante da região. Creio que aqui posso estabelecer ponto geográfico da minha atuação - a geografia do Uruguaiana favorece, fica próximo de Quaraí, de Livramento, Alegrete, Itaqui, São Borja. Agora é tocar a vida e ver o que vai acontecendo.


Sua área de atuação será somente a criminal?

Não. Esse produto que tenho, que é a experiência, a bagagem, acho que não permite que eu restrinja. Um promotor atua em várias áreas e para passar no concurso para promotor tu estudas muito, várias áreas. Inclusive já com alguns clientes em Quaraí, estou atuando bastante na área de família, na área do direito público. Fui politico também, tenho um somatório de experiência que me permite abrir o leque de atuação. Área criminal, área de contratos, direito de família, direito público, direito privado.


No momento atual, com um momento político bastante delicado e que discute a função do Judiciário e sua ligação com a política, como o senhor vê o momento atual?

O Brasil vive um momento não apenas político, mas de deterioração institucional, de tremenda insegurança jurídica, política, econômica, social, em que não há respeito às regras. Antes as pessoas podiam fazer com segurança determinado contrato, determinada conduta, porque sabiam que estavam asseguradas. Isso não existe mais. Cada um decide de acordo com a própria cabeça. Alguns finais de semana atrás foi sintomático aquela questão do Lula, o prende-solta. Aos olhos do país e de quem não é do mundo jurídico a imagem que fica é a de que é uma bagunça total. Mas afinal, não tem lei para disciplinar? Tem, mas a questão é que tem que ser cumprida.


Fala-se muito sobre as leis no Brasil serem brandas, mudança do Código Penal por penas mais pesadas. No que, de fato, falhamos e permitimos a violência e a sensação de impunidade?

Estamos atingindo a marca da terceira maior população carcerária do mundo. A grande questão é saber o que punir, quem punir e por quê. Tem fatos que hoje merecem um outro olhar, que não a pena de prisão. Ouvi uma vez uma palestra de um secretário segurança pública, sobre essas prisões "por quilos" que fazem, do sujeito com uma, duas trouxinhas de crack, de maconha, de cocaína. Ele vai cair em uma grande penitenciária e vai sair de lá um soldado de uma grande organização criminosa. Não estou dizendo que não deve ser punido, sim ele deve. Mas a inteligência brasileira precisa conceber outra forma de punição. Precisamos repensar. Alguns crimes talvez mereçam uma pena mais dura, outros não. e a grande questão é saber que não é o endurecimento ou amolecimento da lei penal que vai resolver como um passe de mágica os grandes problemas do Brasil. São questões de educação, de saúde, de emprego. Também de desestruturação de polícia. Como vamos falar em segurança quando temos um governo do Estado que transformou o Rio Grande do Sul num deserto de policiais, não paga bem e ainda paga parcelado. Desmancha e desestrutura a segurança das famílias dos policiais. Essa questão também tem que ser observada. E saber que não se resolve só com segurança pública, mas colocando essa meninada que hoje anda nas esquinas e não tem nenhuma perspectiva a não ser entrar para um grupo criminoso, colocar na escola, colocar para aprender algum oficio, senão não há penitenciária que seja suficiente. Podemos não gostar, mas a política é a ferramenta para se melhorar ou piorar essa realidade.


Expectativa para a nova fase?

Agora é viver cada dia. Ter a expectativa de que de uma hora para outra vou abrir a porta do meu escritório um cliente, seja quem for, o valor que for, alguém que vai confiar a mim a defesa de seus interesses. Agora, passei o último final de semana em cima de um processo de júri, que vai a julgamento no dia 14 em Quaraí, e estou vivendo uma emoção diferente. Essa pessoa confiou sua liberdade a mim. Cabe a mim defendê-

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