Boate Kiss
Tribunal de Justiça anula júri
A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou, na tarde de ontem, 3/8, os recursos de apelação dos réus no processo criminal que trata do incêndio na boate Kiss, em Santa Maria em 2013. Os donos da boate, Elissandro 'Kiko' Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira - que se apresentava na casa no momento do incêndio -, Marcelo de Jesus do Santos e Luciano Bonilha Leão, foram a júri popular no final do ano passado. O julgamento - o mais longo da história do Judiciário gaúcho, com dez dias de duração - terminou com a condenação dos quatro por homicídio simples por dolo eventual.
As defesas dos quatro recorreram ao TJ e seu pedido principal foi pela anulação do júri, para que eles fossem levados a novo júri. Nas razões, destacam diversos pontos que consideram nulidades, que vão desde o sorteio dos jurados até a referência ao silêncio dos réus por parte da acusação, passando pela imparcialidade do juiz que presidiu o júri, Orlando Faccini Neto, que entre outras decisões questionáveis, permitiu manifestações de familiares e vítimas presentes no salão do júri.
A sessão presencial ocorreu na sala 805 do prédio-sede do TJRS, em Porto Alegre, e foi transmitida ao vivo pelo YouTube, no canal oficial do tribunal. Julgaram os desembargadores Manuel José Martinez Lucas, que foi o relator do recurso, o desembargador José Conrado Kurtz de Souza, revisor, e o desembargador Jayme Weingartner Neto.
Inicialmente, cada uma das defesas teve dez minutos para realizar uma sustentação oral. A procuradora de Justiça Irene Soares Quadros apresentou parecer. Na sequência, teve início a leitura dos votos.
O primeiro a ler seu voto foi Martinez. O Desembargador reservou a primeira parte de seu voto para apreciar as arguições de nulidade no júri - pedido principal das quatro defesas - e destacou que, para a anulação é preciso que a nulidade tenha causado prejuízo a uma das partes (seja defesa ou acusação). Um a um os pontos levantados pelos advogados foram tratados pelo Desembargador, que não reconheceu a nulidade do ato. Antes de encerrar, Martinez fez algumas considerações. "Volto a dizer que concordo com as defesas e que não houve dolo eventual. Mas não sou mais eu quem julga", disse. Martinez afirmou ainda que "esse processo precisa ter um fim. Ainda que este fim não esteja de acordo com minhas convicções pessoais", não somente por conta das vítimas e familiares, mas também "pelos próprios réus, que agora vivem encarcerados por uma decisão superior esdrúxula", em referência a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux.
O revisor, desembargador José Conrado Kurtz de Souza, foi o segundo a votar. Conrado reconheceu quatro das nulidades apontadas pela defesa, empatando a votação. Ele reconheceu nulidades no sorteio dos jurados; nulidade por conta da reunião privada entre o juiz Orlando Faccini Neto e os jurados, sem a presença do Ministério Público e das defesas; nulidade por conta da inovação de tese acusatória em replica, pelo Ministério Público em relação ao sócio investidor da Kiss, Mauro Hoffmann; e deficiência nos quesitos (perguntas realizadas pelo juiz aos jurados).
Por fim, o desembargador Jayme Weingartner Neto, apontou cinco nulidades, entre elas nulidades no sorteio dos jurados e a inovação de tese acusatória no que diz respeito a Mauro Hoffmann, anulando assim o júri.
Ele também reconheceu o 'argumento de autoridade', alegado pelo advogado Jean Severo, defensor de Luciano Bonilha, que trouxe a cena o fato de o promotor de Justiça Davi Medina ter mencionado, durante os debates, decisão anterior no mesmo processo, o que não é permitido pelo Código de Processo Penal porque pode resultar na chamada contaminação do jurado.
Ao final, Martinez proclamou o resultado, por dois votos a um - sendo ele o voto vencido. E por unânimidade, revogaram a prisão de Elissandro, Mauro, Luciano e Marcelo. O alvará de soltura deverá ser expedido ainda hoje pela 1ª Vara do Júri de Porto Alegre.
Principais nulidades
Entre as situações apontadas pela defesa esteve I) referência ao silêncio dos réus por parte do Ministério Público e da assistência de acusação; II) ofensa à paridade de armas (uso pelo MP de uma maquete em 3D da boate, que três das quatro defesas somente tiveram acesso integral no dia do júri, e do Sistema de Consultas Integradas, da Secretaria de Segurança Pública, que é exclusivo a órgãos estaduais de investigação, e número superior de vítimas arroladas pela acusação, que totalizou dez, enquanto cada defesa pode arrolar apenas cinco, entre outros pontos); III) nulidades no sorteio dos jurados, como realização fora do prazo legal (seis dias antes do júri enquanto o CPP determina que seja realizado entre o 15º e o 10º dia útil antes do início do júri); IV) deficiências nos quesitos, como inclusão de trecho da acusação que fora retirada do processo pelo Tribunal de Justiça; V) manifestação da plateia durante o julgamento; VI) parcialidade do juiz presidente; VII) inovação de tese acusatória.
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