URUGUAIANA JN PREVISÃO

Rubens Montardo

A Sociedade Apodreceu

Outra vez podemos testemunhar a importância da liberdade de imprensa em nosso país. Trata-se da divulgação da forma nojenta, vil, covarde e cretina com o desfecho do caso da jovem Mariana Ferrer no estado de Santa Catarina, vítima de estupro. A conduta obteve merecido repúdio contra a conduta do advogado, do promotor e do juiz envolvidos no julgamento do caso da influenciadora digital Mariana Ferrer, exposta a humilhação e ao sofrimento. A jovem acusou o empresário André de Camargo Aranha de estupro, em episódio ocorrido em 2018, em Santa Catarina. O Poder Judiciário, no entanto, inocentou o indigitado empresário, entendendo que não havia provas para caracterizar a intenção do estupro. Participaram desta aberração, o advogado de defesa do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, o promotor de Justiça Thiago Carriço de Oliveira e o juiz do caso Rudson Marcos. Nossa sociedade apodreceu, pois quando quem deveria promover a Justiça age de forma tão repugnante, provoca indignação e desalento, desprezando a cultura e a humanidade, aplaudindo o bizarro, ignorando a inteligência e o bom senso e glorificando a canalhice e a desonestidade.

Tais atos lembram-me do escritor tcheco Franz Kafka, que no genial O Processo, coloca a situação de um homem do campo que se vê diante da lei, dirigindo-se a um porteiro e solicitando permissão para entrar, numa alegoria da repressão, da inércia de quem deveria promover a igualdade, zelar pelo direito, buscar a justiça e respeitar todos os cidadãos.

Eis o texto de Kafka, com tradução do professor Modesto Carone: "Diante da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde. -"É possível" - diz o guarda. -"Mas não agora!". O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro. Ao ver tal, o guarda ri-se e diz. -"Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".

O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar. O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado. Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes senhores, no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar. O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre: -"Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste".

Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura ser-lhe o único obstáculo à entrada na Lei. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som e depois, ao envelhecer, limita se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda. Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda apercebe, no meio da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte esta próxima.

Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo. -"Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. -"És insaciável".

-"Se todos aspiram a Lei", disse o homem. -"Como é que, durante todos esses anos, ninguém mais, senão eu, pediu para entrar. O guarda da porta, apercebendo-se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte. -"Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou-me embora e fecho-a".

O Mapa Eleitoral Anterior

O Mapa Eleitoral

A Eleição Americana Próximo

A Eleição Americana

Deixe seu comentário