URUGUAIANA JN PREVISÃO

Princípio da insignificância

TJ mantém absolvição de acusados de furtar alimentos vencidos do Big

Gabriela Barcellos

A 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou o recurso do Ministério Público que buscava derrubar sentença que absolveu dois homens, em situação de extrema vulnerabilidade, acusados de furtar alimentos vencidos da área de descarte do Hipermercado Big, com o objetivo de se alimentar. Para os desembargadores, está presente o princípio da insignificância e, assim, eles mantiveram a decisão de primeiro grau, proferida pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Uruguaiana, André Elias Atalla.

O fato ocorreu em 2019, quando uma ligação para o 190, denunciando que dois homens haviam ingressado na área restrita do hipermercado e revirado o setor de descarte, levou uma equipe de policiais militares ao local. Eles abordaram os dois suspeitos, que estavam de posse de fatias de queijo, 14 unidades de calabresa, nove unidades de presunto e cinco unidades de bacon - todos vencidos e cujo destino era o descarte.

Os dois foram conduzidos à Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) e, embora não tenham sido autuados em flagrante, foram posteriormente indiciados pela Polícia Civil e depois denunciados pelo Ministério Público.

Os dois homens foram representados pela Defensoria Pública. A defensora Daniela Arend alegou o princípio da insignificância - que determina a não punição de alguém que pratica uma conduta tipificada como crime, quando o resultado do seu ato é irrelevante ao bem jurídico protegido pelo tipo penal. A alegação foi acolhida pelo magistrado, que absolveu os dois sumariamente.

O Ministério Público, porém, não concordou e recorreu ao TJ, alegando que não poderia ser aplicado o princípio da insignificância uma vez que os dois acusados já tinham passagens pela polícia por envolvimento em crimes da mesma natureza. De acordo com o promotor Luiz Antônio Barbará, a aplicação do princípio da insignificância demanda que o delito tenha sido praticado por indivíduos que não façam do crime seu meio de vida. Ele alegou que "não se pode usar o princípio da insignificância e do crime bagatelar como estímulo e combustível à impunidade".

Coube ao defensor público Marco Antônio Kaufmann apresentar as contrarrazões da apelação. Na ocasião, ele disse que "tristes tempos em que LIXO (alimento vencido) tem valor econômico. Nesse contexto, se a mera leitura da ocorrência policial não for suficiente para o improvimento do recurso, nada mais importa dizer". O próprio Ministério Público de segundo grau emitiu parecer opinando pelo desprovimento do recurso.

O desembargador relator, Sérgio Miguel Achutti Blattes, em sua análise disse que o recurso do MP "causa espécie". "O órgão ministerial oferece denúncia contra os acusados pelo fato de eles terem subtraído determinada quantidade de gêneros alimentícios vencidos, alocados no setor de descarte do hipermercado Big, na cidade de Uruguaiana", pontuou. Ele críticou a atuação do MP e questionou qual lesão (ou ameaça de lesão) ao bem jurídico se pode minimamente vislumbrar no caso. "Afinal, o bem jurídico tutelado, o patrimônio da vítima, não foi - e nem poderia ser - aviltado pela ação dos denunciados no caso em tela. O próprio representante do estabelecimento comercial, nessa toada, fez questão de consignar no âmbito do inquérito policial que todos os gêneros alimentícios subtraídos seriam descartados", afirmou.

Blattes lembrou que em casos como esse não podem ser ignorados sob a ótica jurídico-social e citou dados sobre a insegurança alimentar que acomete o Brasil. "Nesse contexto, não identifico, sob qualquer ótica atrelada à humanidade, à razoabilidade, aos princípios constitucionais vigentes e à própria legislação penal, motivos para reformar a absolvição sumária prolatada em favor dos apelados", apontou.

"Como defensor público fico muito feliz de ter ajudado pessoas em situação de extrema vulnerabilidade. Por outro lado, existe o sentimento de indignação por não ser um caso isolado. É preciso uma discussão profunda na sociedade para que absurdos como esse não se repitam", disse o Kaufmann ao CIDADE.


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