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INVESTIGAÇÃO

No Facebook, links do ICQ com pornografia infantil circulam livremente

imagem ilustrativa - fireção ilustrativa - Investigação do Núcleo encontrou 13 grupos abertos, com interação de milhares de usuários.

Um dos serviços pioneiros de mensagens instantâneas, o ICQ é associado por muitos usuários mais antigos a uma época menos conturbada de redes sociais. Esses dias de nostalgia podem estar no fim. O serviço está no centro de um esquema de distribuição de pornografia infantil.

Uma investigação realizada pelo Núcleo – Jornalismo inteligente sobre redes sociais, mostrou que o ICQ se tornou um veículo para venda de pornografia infantil, com alcance alavancado por links compartilhados em grupos abertos no Facebook e indexados por mecanismos de busca.

O Núcleo identificou e acompanhou um total de 13 grupos de pornografia infantil hospedados no ICQ durante duas semanas – de 8 a 22 de junho – analisando os históricos de conversas, além do comportamento dos usuários. O conteúdo desses grupos foi amplificado com a divulgação de links feitas via plataformas maiores – também sem moderação específica. Entre esses grupos, o acesso a três deles foi descoberto via grupos no Facebook.

Todos estão envolvidos explicitamente no compartilhamento e na venda de conteúdo de pornografia infantil – que inclui imagens de abuso sexual, exploração sexual e prostituição envolvendo menores de idade.

No ano passado, o Núcleo trouxe à tona denúncias de grupos – alguns com dezenas de milhares de usuários – de exploração sexual infantil. Por conta da reportagem, o Facebook derrubou os sete grupos investigados na ocasião. Recentemente, pesquisadores de Stanford revelaram que os algoritmos do Instagram chegaram a promover conteúdo ilícito de pedofilia.

Páginas com esse tipo de conteúdo continuam a exibir imagens de crianças e adolescentes em poses sugestivas ou seminuas, visando à erotização, especialmente de meninas. Algumas dessas imagens retratam menores usando uniformes escolares, o que deveria facilitar sua identificação e remoção por meio da moderação humana do Facebook.

As políticas de conteúdo da Meta, proprietária do Facebook, proíbem o compartilhamento ou a produção de “conteúdo (incluindo fotos, vídeos, obras de arte reais, conteúdo digital e representações verbais) que sexualize crianças, bem como grupos, páginas e perfis dedicados à sexualização de crianças”.

A legislação brasileira também trata do assunto. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu Artigo 241, estabelece medidas de proteção à infância e adolescência, proibindo a venda e distribuição de pornografia infantil. A lei brasileira é clara ao afirmar que é crime produzir, vender, divulgar ou armazenar material pornográfico envolvendo crianças e adolescentes.

Buscas no Facebook

Em uma das páginas com conteúdo de exploração sexual infantil no Facebook, um usuário questionou se uma determinada pessoa era menor de idade, ao que outro usuário respondeu que é comum menores de idade venderem fotos seminuas ou sexualizadas, e o primeiro usuário respondeu: "F***-se as regras kkkkk".

Durante os testes realizados pela equipe do Núcleo, ao pesquisar pela sigla relativa ao termo em inglês de "pornografia infantil" no Facebook, alguns jornalistas não conseguiram avançar nas buscas, enquanto outros receberam uma mensagem de aviso perguntando se tinham certeza de que desejavam continuar, alertados para a associação do termo com nudez ou atividade sexual, que não é permitida na plataforma.

Já a busca pelo mesmo termo associada ao ICQ foi possível imediatamente.

ICQ de volta das cinzas

Para além das páginas com postagens de exploração sexual, o Núcleo também identificou no Facebook o compartilhamento constante de links diretos para conteúdo de pornografia infantil – ou seja, as imagens não estavam publicadas diretamente na rede social, mas sim os caminhos que levavam a elas. E esses links apontam para um lugar: o ICQ.

Durante a pandemia, o ICQ registrou um ressurgimento significativo, com um aumento expressivo no número de usuários, alcançando em 2021 seu maior pico de buscas no Google Trends em uma década.

Estima-se que, em 2022, o ICQ tenha atingido aproximadamente 11 milhões de usuários mensais em todo o mundo. Em 2010, o ICQ foi adquirido pela VK, uma empresa russa anteriormente conhecida como Mail.ru. Nenhuma das empresas possui sede ou representação no Brasil.

Embora a ferramenta de chat tenha perdido popularidade desde seu lançamento em 1996 e pico do começo dos anos 2000, grupos criminosos mantêm uma base de membros ativa, com alguns canais chegando a compartilhar mais de trezentas mensagens por hora.

Obviamente, nem todo conteúdo nessa plataforma está relacionado a pornografia infantil, mas a falta de moderação permitiu que esse tipo de crime se proliferasse sem muita resistência. Diariamente, são compartilhadas centenas de imagens e vídeos de abuso sexual envolvendo menores de idade, com um foco aparentemente maior em meninas com idades entre 3 e 13 anos. Por vezes, as imagens parecem ter sido capturadas pelos próprios menores de idade, o que levanta preocupações acerca de possíveis situações de aliciamento por meio das redes sociais.

Fácil de achar

A identificação desses links por meio do Facebook foi uma tarefa simples. Ao pesquisar por termos frequentemente associados a esse crime no mecanismo de busca da rede social, o Núcleo se deparou com publicações em grupos abertos (ou seja, que qualquer um pode ver) que divulgam links para canais que abrangem diversos temas e levam a várias plataformas.

Embora seja necessário ressaltar que boa parte das postagens nessas páginas do Facebook não está relacionada a conteúdo criminoso, aquelas que estão, assim como os comentários relacionados, não receberam moderação.

Esses posts levam a comunidades do ICQ, onde a rotatividade e a oscilação no número de usuários são frequentes. Dezenas de usuários entram e saem dos grupos a cada hora, e sempre é possível ver que a maioria dos que entram apagam rapidamente suas contas, uma vez que aparece a mensagem [deleted] entrou no canal.

Entre as comunidades de ICQ monitoradas, a maior tem 7,6 mil membros, enquanto a média geral de inscritos entre os grupos monitorados até o momento de publicação desta reportagem é de 3,5 mil pessoas. O volume de conteúdo, documentos e links criminosos compartilhados por esses usuários é gigante.

O maior grupo, criado em 2021, possui um arquivo com 8.936 imagens, 734 vídeos de pornografia infantil e 5.577 links externos. É comum que esses links externos sejam encurtados e exijam senha ou visualização de anúncios para acesso. Também foram observadas trocas de pornografia infantil por meio de pastas em serviços de armazenamento em nuvem, como Mega ou Terabox.

Todos os 13 grupos monitorados pelo Núcleo são públicos, não exigindo pagamento ou aprovação interna para ingressar. Isso amplia a preocupação com o impacto da divulgação desses grupos no Facebook, tornando-os mais acessíveis e aumentando seu alcance.

Por exemplo, um dos grupos identificados pelo Núcleo atraiu mais de quinhentos membros após ser divulgado em postagens no Facebook. Ao entrar no canal, foram encontradas imagens explícitas de abuso sexual de crianças.

Embora a postagem original no Facebook seja de 2021, o comentário com o link foi feito em junho de 2023, indicando que usuários estão buscando acesso a esse tipo de conteúdo a partir de posts antigos, como uma forma de despistar moderação.

Resposta do Facebook

A Meta não respondeu diretamente a nenhuma das oito perguntas específicas enviadas pelo Núcleo à assessoria da empresa. Um porta-voz da empresa, no entanto, enviou esse posicionamento genérico: Conteúdos que exploram ou colocam crianças em risco não são permitidos no Facebook. Trabalhamos de forma proativa para encontrar e remover esse tipo de material e encorajamos as pessoas a denunciá-los. Temos políticas, tecnologias e equipes especializadas focadas em eliminar interações abusivas.

Necessidade de moderação

A secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, Estela Aranha, ressaltou em entrevista ao Núcleo a necessidade de moderação das plataformas. "Não é papel do Ministério da Justiça ser fiscal da internet, e não queremos que seja. Por isso, defendemos a regulação, porque é necessário saber o que e como se pode olhar", disse ela.

Aranha comentou também que, muitas vezes, os bloqueios judiciais nem sempre são totalmente efetivos, uma vez que os serviços ainda podem ser acessados por meio de VPNs, como ocorreu com o Telegram durante as eleições nacionais de 2022, ou após o 8 de janeiro.

Questionada sobre a colaboração das grandes plataformas, como o Facebook, em derrubar ou monitorar conteúdo, como exploração sexual e abuso de menores de idade, Aranha afirmou que, geralmente, as empresas são solícitas, mas não sabe responder se é o mesmo caso com o ICQ, uma vez que nunca teve contato com uma denúncia de conteúdo criminoso na plataforma até então.

A disseminação de pornografia infantil expõe as vítimas a um ciclo de vulnerabilidade constante, aumentando o risco de abusos futuros e expondo suas imagens permanentemente. A falta de moderação efetiva nas plataformas digitais amplia o alcance desses grupos de exploração sexual infantil. A ausência de um escritório ou representante do ICQ no Brasil dificulta a denúncia desse conteúdo e a ação necessária por parte das grandes empresas para resolver o problema

Após a publicação da reportagem, os materiais usados durante a apuração foram encaminhados para a Polícia Federal.

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