URUGUAIANA JN PREVISÃO

João Eichbaum

O preço da honra

Se não ultrapassasse os limites da circunspecção, da compostura discreta, do recato, as mais sublimes virtudes que a função jurisdicional exige de um juiz, o Judiciário atual se circundaria de uma aura de merecido respeito. Não estaria sujeito a críticas, exposto como um Judas maleado, vilipendiado, desvalorizado.

Ao abandonar a reserva, a discrição, a parcimônia, para assumir o papel de protagonista de uma história política, o Judiciário se põe como alvo de apupos ejetados pelos intestinos.

Nos últimos dias, teve ampla divulgação na imprensa e nas redes sociais a sentença proferida por uma juíza de Brasília, condenando um brasileiro que, numa cafeteria em Lisboa, gravara um vídeo em que destilava essa minicatilinária: “Gilmar, você já sabe, mas não custa relembrar. Só dizer que você e o STF são uma vergonha para o Brasil e para todo povo de bem. Só isso, tá? Infelizmente, um país lindo como o nosso tá sendo destruído por pessoas como você”.

Claro, o vídeo foi parar nas redes sociais e dali a se transformar em objeto de ação indenizatória ajuizada por Gilmar Mendes foi questão de pouco tempo.

Entre outras considerações, diz a sentença que “a conduta do requerido resultou em violação à honra, gerando também comentários negativos angariados e amplificados em razão das circunstâncias em que a declaração foi apresentada (filmagem em local de ampla circulação de pessoas)”. E em tom conclusivo afirma a magistrada de Brasília que houve “abuso de direito e violação indevida da imagem do autor, provocando uma lesão aos direitos de personalidade do requerente, notadamente a dignidade e a vida privada, nos termos do artigo 187 do Código Civil, motivo pelo qual se impõe a condenação do demandado a ressarcir os prejuízos extrapatrimoniais causados ao demandante”.

Nos termos do artigo 186 do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E o artigo 187, citado pela juíza na sentença, assim reza: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Nenhum desses artigos menciona “lesão aos direitos de personalidade”, vistos como tais a “dignidade e a vida privada”. Somente o artigo 12 do Código Civil menciona lesão a “direitos de personalidade”.

A sentença mistura “direito de imagem” com “violação à honra”, aludindo a “comentários negativos angariados e amplificados em razão das circunstâncias”. Mas nenhum comentário sobrou para o artigo art. 953 do Código Civil, segundo o qual “a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

Então a gente não fica sabendo se os 30 mil reais são o preço da honra ou da imagem do Gilmar Mendes. E se lhe pespegassem coisas tipo “você é uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso, com pitadas de psicopatia”, em quanto estaria orçada sua honra, no mercado das ações indenizatórias?

Suprema Contradição Anterior

Suprema Contradição

Mudando outra vez Próximo

Mudando outra vez

Deixe seu comentário

Cookies.

Ao usar este site você aceita que usamos cookies. política de privacidade.

Aceito