URUGUAIANA JN PREVISÃO

Rubens Montardo

Elis, a cantora

Guarulhos, 19 de janeiro de 1982, terça-feira. Na Rádio Record de São Paulo, antes das 8h, o locutor anuncia que a cantora Elis Regina foi encontrada morta em sua casa. Ato contínuo, outras emissoras de rádio e televisão divulgavam a notícia que enlutava o Brasil e deixava milhares de fãs extremamente tristes. Elis faleceu com apenas 36 anos de idade. Há exatos 40 anos. Eu estava em Guarulhos e até hoje lamento não ter comparecido ao seu velório e sepultamento. O Brasil engatinhava na abertura política, os exilados voltaram e o país vivia um clima de reencontro e felicidade, entre muitas famílias e amigos. Elis foi porta voz de um tempo sombrio, deu corpo ao clamor de uma geração de intelectuais e artistas notáveis, e foi uma mulher a frente de seu tempo. Polêmica, inteligente, irreverente, direta, verdadeira, uma figura cativante e de extraordinário talento, com interpretações históricas. Foi uma grande cantora e uma grande atriz nos bailes da vida, com seu timbre de voz único, sua presença gigantesca nos palcos, seu belo repertório, suas opiniões e convicções tão presentes em seu cotidiano. Elis Regina Carvalho Costa nasceu em Porto Alegre, em 17 de março de 1945, foi casada com Ronaldo Bôscoli e o pianista César Camargo Mariano. Deixou três filhos: João Marcelo Bôscoli, Pedro Camargo Mariano e a cantora Maria Rita.
Elis criticou o governo, quando muitos músicos e artistas foram perseguidos e exilados, que se tornavam públicas em meio às declarações ou canções que interpretava. Em entrevista, em 1969, teria afirmado que o Brasil era governado por gorilas. A popularidade a manteve fora da prisão, mas foi obrigada pelas autoridades a cantar o Hino Nacional durante um espetáculo em um estádio. Sempre engajada politicamente, Elis participou de uma série de movimentos de renovação política e cultural brasileira, tendo voz ativa da campanha pela Anistia. O despertar de uma postura artística engajada e com repercussão acompanhou sua carreira, sendo enfatizada por interpretações consagradas como O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc), a qual transformou-se no hino da anistia. A canção coroou a volta de personalidades do exílio, a partir de 1979. Um deles, citado na canção, era o irmão do Henfil, o Betinho, sociólogo brasileiro.
Em dezembro de 2018, numa conversa com o produtor musical e cultural gaúcho Ayrton dos Anjos, ali na Casa do Urso, falávamos sobre cantores, a música gaúcha, as gravadoras, a dificuldade que era conseguir gravar um disco, os shows e os festivais nativistas. Ayrton dos Anjos, o conhecido Patineti, apelido que recebeu da amiga Elis Regina. Há seis décadas ele é referência no campo musical e cultural do Brasil. Dentre tantos assuntos, Patineti relatou-me que "foi à casa de Elis para convidá-la a gravar um disco. Ela já havia gravado duas bolachas na Continental com ajuda de Maurício Sirotsky Sobrinho mas, sem nada a perder, resolveu encarar o desafio. Seria um disco só de autores gaúchos. Ideia de jerico, como se confirmaria logo em seguida: ao ouvi-la ensaiar para um show em Florianópolis, o produtor paulista Armando Pitigliani sugeriu que ela abandonasse o repertório regional e cantasse clássicos como Chão de estrelas, de Orestes Barbosa. Ela concordou e, antes de se apresentar, perguntou ao seu produtor Ayrton dos Anjos: "Queres o Chão de estrelas com choro ou sem choro? "E ele: "Com choro, claro!" Segundo relembra, foi um show emocionante: a partir do choro de Elis, choraram Patineti, Pitigliani e muita gente no palco e no auditório".
O talento, carisma e a trajetória de Elis Regina inscreveram e eternizaram seu nome na galeria dos grandes cantores e artistas brasileiros. Saudade! Viva Elis!

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