Pobres crianças pobres
Santa Casa suspende internações pediátricas por falta de médicos
Desde ontem, 7/7, crianças que necessitarem de internação hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em Uruguaiana serão transferidas para outros municípios, pois o Hospital Santa Casa (HSCU) suspendeu a internação clínica pediátrica por falta de médicos. A suspensão é temporária, mas não há previsão de reestabelecimento do serviço. As internações na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal e na Unidade de Cuidados Intermediários (Ucinco) estão mantidas.
De acordo com o HSCU, a suspensão aconteceu após diversas tentativas de negociação com os pediatras atuantes no município, para que mantivessem, ou prestassem atendimento na unidade. A administração tenta a contratação de médicos de outros municípios, porém sem êxito até o momento.
Em nota, a gestora administrativa Thaís Aramburu diz que "a recusa dos profissionais médicos em manter o serviço não se deu por questões financeiras", pois o aumento de 50% no valor da hora plantão (cerca de R$ 120) SUS foi recusado, deixando a administração sem outra alternativa que não a suspensão da internação. A Secretaria Estadual de Saúde foi imediatamente informada sobre a situação.
As crianças já internadas na unidade estão sendo atendidas pela única pediatra que se dispôs a permanecer atendendo a população, até que sejam transferidas ou recebam alta médica. Ontem, a unidade mantinha seis pacientes - três deles com previsão de alta. O HSCU informou ainda que o atendimento por meio do Pronto Socorro transcorre normalmente e as crianças que necessitarem de internação serão "acolhidas, estabilizadas e cadastradas no Sistema de Gerenciamento de Internações (Gerint) do Estado, permanecendo aos cuidados da equipe plantonista até sua transferência", que pode ocorrer para qualquer município onde houver vaga. A Secretaria Estadual de Saúde já registra aumento nas internações em todo o Estado - especialmente por problemas respiratórios - e a dificuldade em encontrar leitos aumenta a cada dia.
"Estamos buscando de todas as formas uma solução para que possamos reabrir a internação pediátrica o mais breve possível. É um momento muito grave. Um município com 130 mil habitantes não pode ficar sem internações pediátricas, mas neste momento a única certeza é de que não deixaremos a população sem atendimento. Infelizmente ainda não temos uma previsão para retomar as internações", ressalta a Gestora.
Atendimento primário
O atendimento pediátrico na rede municipal segue funcionando normalmente através das Estratégias da Saúde da Família (ESFs). De acordo com o secretário de Saúde Diego Cantori, a Policlínica Infantil, para onde são encaminhadas as crianças que necessitaram de atendimento especializado, conta seis pediatras.
Situação completa e antiga
O promotor de Justiça André Luís Negrão Duarte, da Promotoria Regional de Uruguaiana, que detém a competência em matéria de saúde pública, explica que o funcionamento da unidade vem sendo acompanhado de perto há tempos. "A falta de médicos não é um problema novo. É, na verdade, algo histórico e objeto de inquérito civil aqui na Promotoria", diz. Ele conta que no último dia 30/6 foi procurado pela administração do HSCU, que relatou o risco real de fechar o serviço, pois não havia médicos dispostos a atuar na unidade. "Neste mesmo dia nos reunimos com a administração e com os médicos, no Hospital", explica. Na ocasião, foi agendada uma audiência dentro do inquérito civil em tramitação. "Esta audiência (na tarde de quarta-feira, 6/7) foi uma mediação entre o Hospital, médicos e Sindicato Médico do Rio Grande do Sul na tentativa de uma solução aceitável para todos. Infelizmente não houve acordo, tal como nas tentativas do hospital, que também não conseguiu contratar médicos fora do município, nos levando a este cenário", conta Duarte. Desta reunião também participaram a Secretaria Municipal de Saúde e a 10ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS).
O Promotor destaca que a questão é complexa e vai desde a não formação de profissionais nesta especialidade em todo o país, até questões remuneratórias, passando pela alta demanda, especialmente neste momento do ano. Ele destacou que, além da internação clínica há diversas unidades dentro da Santa Casa, como centro obstétrico, maternidade, UTI Neonatal e Ucinco, que necessitam desse especialista.
Duarte disse que a principal razão apresentada ao Ministério Público para não atuar na internação é relacionada à exaustão. "É uma demanda alta e eles dizem estar extenuados". Alguns compõem a escala de atendimento de mais de uma unidade, como UTI Neonatal e Ucinco.
Por fim, Duarte diz que o MP está buscando uma solução dos órgãos públicos, em nível municipal e estadual, através da Secretaria Estadual de Saúde - representada na audiência pela 10ª CRS.
Simers
O diretor de Interior do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), médico Luiz Alberto Grossi, elenca três razões, duas delas financeiras, que conduziram os médicos à decisão de não atuar na Unidade: 1) condições de trabalho, 2) salários baixos e 3) não negociação de dívidas antigas com os profissionais.
Segundo ele, os profissionais estão sobrecarregados. "Plantões de 24 horas, não ter substituto, não ter direito a férias e não ter direito a sair para tomar uma cerveja porque pode ser chamado a qualquer momento. Isso é uma prisão", diz. "Não bastasse isso, eles são solicitados para enfermaria e Pronto Socorro enquanto estão no plantão na UTI Neonatal. Isso é um estímulo ao mal atendimento", completa.
Não bastassem as péssimas condições de trabalho a remuneração é abaixo da média da região. "Ela [Thaís] paga salários ridículos. Paga R$ 100 a hora plantão na UTI Neonatal, enquanto qualquer lugar paga, ao menos, R$ 150. Durante a audiência ela ofereceu R$ 140. Não atende a necessidade dos médicos. Ofereceu R$ 34 para o sobreaviso. Ela desconhece que há uma cidadezinha aí do lado chamada Rosário do Sul, por exemplo, que paga R$ 85", enfatiza. Para ele, a atuação da gestão do Hospital é de má fé. "Me leva a pensar que ela quer que os médicos desistam de atender para colocar a culpa nos médicos, enquanto a culpa é dela. Ela não tem condições de exercer o cargo que exerce. Está na hora de colocar profissionais na gestão, e não políticos", finaliza.
O médico também fala sobre as dívidas antigas da Santa Casa com médicos não podem ser esquecidas. "Ela [Thaís] não recebe o Simers para negociar. Acha que vai negociar individualmente com os médicos para intimidá-los". Segundo ele, é preciso que a Santa Casa admita o passivo trabalhista.
O Simers realizará uma assembleia extraordinária na próxima segunda-feira, 11/7, para tratar sobre o tema. Ele ressalta que para este encontro também foram convidados pediatras da região. "Se houver uma proposta convincente da Santa Casa, a gente ajuda a levar pediatras para aí, desde que a remuneração seja adequada e que seja paga", finalizou.
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